A tramitação do Projeto de Lei nº 2.703/2022, de autoria do deputado federal Celso Russomanno (Republicanos/SP), tem despertado ânimos no setor de micro e minigeração distribuída, pois pretende promover mudanças sensíveis na Lei 14.300/22.
Quando a Lei 14.300/22 foi publicada em janeiro de 2022 foram previstas regras de transição para a fruição do direito adquirido à compensação de 100% da energia ativa injetada na rede de distribuição pelos sistemas de micro ou minigeração distribuída.
Isso significava que os sistemas de geração entrantes teriam que solicitar o acesso à rede de distribuição até 6 de janeiro de 2023, devendo ser atendidos alguns prazos construtivos.
A contar da emissão do parecer de acesso e/ou do orçamento de conexão, o prazo para iniciar a injeção de energia seria de:
120 dias para microgeração, independente da fonte;
12 meses para minigeração de fonte solar; e
30 meses para minigeradores das demais fontes.
Assim, o PL 2.703/2022 visa estender esse prazo de solicitação de acesso das centrais de micro e minigeração distribuída até janeiro de 2024. A medida, no entanto, possui aspectos negativos e positivos, como toda proposição legislativa que contrapõe interesses setoriais.
Tendo em vista que os sistemas de geração distribuída com direito adquirido 100% de compensação não possuem um encargo específico para custeio do subsídio tarifário, tal como a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético)*, aumentar o prazo para fruição do direito adquirido equivaleria a repassar mais custos à estrutura tarifária das distribuidoras, o que a Lei 14.300/22 visava evitar.
Em sentido contrário, é preciso ver que muito embora a Lei 14.300/22 tenha previsto outras alterações na modelagem da micro e minigeração distribuída, as quais deveriam ter sido regulamentadas pela ANEEL no prazo de 180 dias a contar da publicação da Lei, a agência reguladora somente determinou a abertura da Consulta Pública nº 51/2022 em 1º de novembro de 2022.
Esse atraso na regulamentação da matéria acabou sendo utilizado pelas distribuidoras como fator de impedimento ao processamento da solicitação de acesso dos agentes titulares de sistemas de micro ou minigeração distribuída, resultando em indeferimentos das solicitações ou suspensões dos processos até que sobreviesse a manifestação da agência reguladora.
Exemplo disso está no tratamento do direcionamento da conexão da micro ou minigeração, quando identificada a sobrecarga da rede de distribuição no ponto de conexão pretendido pelo agente gerador.
A proposta de regulamentação da ANEEL na Consulta Pública nº 51/2022 é flexibilizar o regime dispositivo de direcionamento à baixa ou média tensão, permitindo ainda que a distribuidora altere o ponto de conexão ou, ainda, limite a injeção de energia. Com isso, a ANEEL traria ainda mais liberdade ao tratamento do problema em relação às alternativas trazidas hoje pela REN 1.000/21.
No entanto, até que sobrevenha a regulação sobre a matéria, discussões sobre a impossibilidade da conexão da central geradora têm sustado ou ocasionado o indeferimento das solicitações de acesso.
Apesar da ANEEL empenhar esforços em solucionar essas controvérsias, algumas das quais indevidamente ocasionadas pelas distribuidoras, a demora em haver uma solução final para esses problemas pode resultar em efetivos prejuízos aos solicitantes de acesso de micro ou minigeração distribuída.
Isso porque o prazo para conexão da central geradora para fins de inclusão em regime tarifário mais benéfico é estabelecido em Lei, não havendo competência normativa da ANEEL para alterá-lo e/ou aumentá-lo.
Nos casos em que o processo de solicitação de acesso e/ou de orçamento de conexão de centrais de geração distribuída for indevidamente indeferido pela distribuidora – e, com isso, não se atenda aos requisitos da Lei 14.300/22 para fruição do direito adquirido – não haverá margem legal para que a ANEEL recomponha os prazos da solicitação de acesso do agente de que trata o art. 26 da Lei. A solução, nesses casos, será recorrer ao Judiciário.
No final do dia, as contas que devem ser feitas em relação à sanção do Projeto de Lei nº 2.703/2022 devem contrastar o custo de judicialização dessas solicitações de acesso e o custo de subsidiar mais sistemas de geração distribuída com direito adquirido a 100% de compensação. Por uma perspectiva de segurança jurídica, já estava claro que as burocracias do país não acompanhariam os prazos da Lei.
Observação: De acordo com o art. 25 da Lei 14.300/22, a CDE “custeará temporariamente as componentes tarifárias não associadas ao custo da energia e não remuneradas pelo consumidor-gerador, incidentes sobre a energia elétrica compensada pelas unidades consumidoras participantes do SCEE, na forma do art. 27 da Lei 14.300/22.” O art. 27 trata das disposições transitórias para abatimento de encargos tarifarios no SCEE de unidades consumidoras com micro e/ou minigeração distribuída que não tenham o direito adquirido aos 100% de compensação.