Ao longo de 2023, foram inúmeros os acontecimentos no setor solar, em especial no segmento de GD (geração distribuída). Nos primeiros dias de janeiro, passamos pelo marco instituído pela Lei 14.300 como data para o fim da concessão dos direitos às novas conexões como GD I e, consequentemente, início do enquadramento dos novos pedidos de conexão em GD II e GD III.
De forma simplificada, a tarifa compensável (parcela da tarifa total de energia elétrica que pode ser contabilizada como crédito de energia) passaria a não considerar certos componentes da tarifa total.
Segundo Marco Conte, consultor de Inteligência de Mercado da Greener, a TUSD (tarifa do uso do sistema de distribuição) Fio B, que remunera a concessionária local pela infraestrutura da rede, ficou muito mais conhecida pelo mercado por conta dessa mudança nas regras de compensação.
“Houve grande incerteza nos meses seguintes sobre o futuro da GD, que se transformou em impacto direto nas vendas do primeiro semestre de 2023. O resultado foi uma queda no número total de vendas da ordem de 60% em relação ao mesmo período do ano anterior, conforme indicado na edição mais recente do Estudo Estratégico de Geração Distribuída da Greener, publicada em setembro”, apontou.
Além desse fator, os profissionais tiveram dificuldades com relação ao financiamento dos projetos fotovoltaicos, em função das taxas de juros elevadas e a complexidade no processo de aprovação do crédito.
Sem contar a questão da inversão de fluxo, que também causou receio no mercado, já que as distribuidoras, principalmente nos estados como São Paulo e Minas Gerais, começaram a emitir o orçamento de conexão com imposição de limitação de injeção de energia.
Por outro lado, o tempo de payback dos empreendimentos fotovoltaicos caiu após a Lei 14.300, bem como os custos dos sistemas que apresentaram, no 1º semestre de 2023, uma redução de 17% em junho em relação a janeiro.
Para se ter uma ideia, o preço médio para a instalação de usinas residenciais atingiu, no terceiro trimestre, R$/Wp 3,17 – o menor índice desde o início do Radar da Solfácil, em 2022.
O ano de 2023 para o mercado fotovoltaico foi, sem dúvida, desafiador. Confira, abaixo, uma seleção realizada pelo Canal Solar com os fatos e acontecimentos que marcaram o segmento no país.
Condições macroeconômicas
O cenário macroeconômico brasileiro, em geral, apresentou obstáculos adicionais. A taxa básica de juros da economia (taxa Selic) esteve fixada desde agosto de 2022 e por todo o primeiro semestre de 2023 em 13,75% a.a.
Em agosto de 2023, o país teve uma redução de 0,5 p.p., a primeira redução desde 2020, e mais duas posteriormente, fazendo com que, na data de escrita deste texto (01/12), ela esteja fixada em 12,25% a.a.
“Taxas de juros elevadas significam um maior custo do dinheiro, ou seja, o custo de um financiamento para aquisição de um sistema fotovoltaico é maior”, explicou Conte.
Luiz Scagnolato, CEO da TenBrasil, acrescentou que o ano justamente começou com essa incerteza política, acarretado pela questão da redução de compras das próprias indústrias que iriam fazer investimento em projetos maiores e deram uma travada nos aportes, muitas vezes devido aos juros que estavam altos – situação que vem ocorrendo desde 2022.
“Após o default das Americanas, também acabou piorando um pouco mais a questão do spread que os bancos cobravam sobre as transações de empréstimos, bem como uma significativa redução na aprovação de clientes para fazer financiamentos. Tais fatores foram um dos maiores impactos já no começo do ano”, destacou.
Adicionalmente ao maior custo de capital, alinha-se um cenário de inadimplência elevada em 2023. De acordo com um levantamento da Serasa, o total de brasileiros inadimplentes em outubro beirava os 72 milhões de pessoas, sendo este o maior número já divulgado pela empresa.
Na visão do consultor da Greener, esse efeito de juros elevados e alta inadimplência representam riscos expressivos às instituições financeiras que oferecem empréstimos e financiamentos. “A consequência disso é um aumento nos critérios de avaliação e maior rigor na análise por parte dessas instituições para que haja a aprovação do crédito para estes consumidores finais”.
Apesar de todo este cenário, o estudo estratégico de GD da Greener indicou que os preços dos sistemas fotovoltaicos estão no menor valor de toda a série histórica mapeada.
“Um sistema residencial típico de 4 kWp, no início do mapeamento da Greener em junho de 2016, custava cerca de R$ 35.000 (R$ 8,77/Wp) e seguiu uma tendência de queda que levou o preço em junho de 2022 a, aproximadamente, R$ 19.500 (R$4,88/Wp). Já no levantamento mais recente, referente a junho de 2023, foi percebida uma queda de quase 25%, passando este sistema a custar por volta de R$ 14.700 (R$ 3,68/Wp)”, exemplificou o especialista.
No entanto, Marco Conte pontuou que o país teve um cenário bastante desafiador para a GD, do ponto de vista regulatório e comercial. “Por outro lado, estamos no momento mais atrativo dos últimos anos em relação ao custo dos equipamentos”.
“A conclusão de todo este raciocínio é que havendo uma melhora nos aspectos macroeconômicos, ressalvados certos aspectos regulatórios – mais especificamente como será a calculada a tarifa compensável a partir de 2029 ou 2031, em função de quando foi protocolado o pedido de orçamento de conexão enquadrado em GD II – que ainda estão em aberto, haverá um potencial destravamento de valor para que o financiamento volte a ser protagonista no setor e, consequentemente, mais consumidores possam ter acesso a um sistema solar fotovoltaico”, concluiu.
Inversão de fluxo
Outro fator que impactou o setor ao longo do ano foi a questão da inversão de fluxo na rede da concessionária, que ocorre quando a quantidade de energia elétrica injetada, proveniente da geração distribuída, é maior do que a demanda dos consumidores conectados nessa mesma rede, podendo ocasionar superação dos limites operacionais da rede.
Neste ano, distribuidoras localizadas em São Paulo e Minas Gerais começaram a emitir o orçamento de conexão com imposição de limitação de injeção de energia, sob a alegação de que essa prática seria necessária para contornar os problemas que podem ser ocasionados pela inversão de fluxo de potência.
Em quase todo o estado de MG, por exemplo, vários integradores tiveram as solicitações dos projetos fotovoltaicos de seus clientes suspensas por um prazo indeterminado pela Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais) sob a alegação de que havia “saturação de rede”.
A denúncia de que a Cemig está praticando concorrência desleal a empreendimentos do setor de energia solar foi o principal assunto da audiência pública da Comissão de Minas e Energia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que ocorreu em agosto.
Já em setembro, os integradores se reuniram em frente à sede da Companhia, em Belo Horizonte (MG), para manifestar contra as dificuldades que estavam enfrentando ao tentarem conectarem as usinas em unidades consumidoras atendidas pela concessionária.
Diante desse cenário, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), se comprometeu a apurar os supostos casos de concorrência desleal e os eventuais obstáculos impostos pela Cemig para os projetos de microgeração de energia.
A promessa foi feita durante um encontro do executivo, que ocorreu em outubro, com representantes do INEL (Instituto Nacional de Energia Limpa) e do MSL (Movimento Solar Livre). As duas associações entregaram ao governador três documentos técnicos que apontam a necessidade de fiscalização de atos administrativos em processos de GD (geração distribuída).
A Cemig demorou quase um mês, mas, enfim, respondeu o documento encaminhado no dia 18 de outubro, que buscava uma solução para o fim das reprovações de projetos fotovoltaicos no estado.
Contudo, apesar dos apelos do setor, a distribuidora negou qualquer possibilidade de acordo e as reprovações aos projetos ainda se baseiam em inversão de fluxo e injeção “noturna”.
Em todo o estado, houveram relatos de integradores com projetos de menos de 5 kWp sendo reprovados pela concessionária – que continuará se apegando ao Art. 73 da Resolução 1.059 da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), que, em fevereiro deste ano, regulamentou a Lei 14.300 no Brasil.
“A única opção viável e de menor custo global é a injeção em horário pré-estabelecido. Por tanto, a injeção de potência de sua microgeração no sistema elétrico deverá ser restrita ao horário das 19:00h às 5:00h (em todos os dias)”, afirmou a Cemig.
Instabilidade de preços em equipamentos fotovoltaicos
Além da inversão de fluxo, a instabilidade de preços na China afetou e muito o mercado. Tal fator causou perdas acentuadas para todos os distribuidores importadores que tinham estoque.
“Os preços caíram muito rápido no país, fazendo com que o equipamento não fosse vendido na mesma velocidade com que estava chegando da China. Consequentemente, os distribuidores tiveram que vender produtos com margem negativa”, comentou o CEO da TenBrasil.
“Ademais, tivemos um aumento significativo no roubo de cargas, que está causando muitos problemas com a questão de escoamento de mercadorias, pois as próprias transportadoras não querem mais transportar os módulos. Primeiro porque a avaria é muito grande pela questão de infraestrutura das estradas, local de entrega. Segundo pela questão de próprio roubo de carga, seja contêiner fechado ou cargas fracionadas”, explicou.
Para Mário Viana, diretor comercial e de marketing da Sou Energy, o ano de 2023 também foi muito desafiador para o mercado de energia solar no Brasil. “A quase totalidade dos integradores relataram quedas expressivas nas vendas. Por consequência, os distribuidores também sofreram em efeito cascata. A dor dos maiores distribuidores foi enorme, pois iniciaram o ano muito estocados”.
“Os valores de compra, negociados no final de 2022, vieram caindo ao longo de 2023 devido às diversas variáveis do mercado chinês. Essas quedas chegaram a mais de 40% e isso fez derreter o ativo em estoque dos distribuidores, que passaram a vender seus geradores abaixo do custo para poder girar seus estoques”, afirmou.
De acordo com ele, alguns distribuidores perderam esse ano todo o lucro conquistado nos últimos dois anos. “Foi necessário o uso de muita engenharia financeira para aguentar o tranco. Apenas os distribuidores mais sólidos e organizados conseguirão terminar o ano com apetite de realizar novos investimentos para 2024”.
“Apesar de um ano tão difícil, aqui na Sou Energy conseguimos realizar novos investimentos em nossa operação fabril e inaugurar a nossa própria fábrica de estruturas, mostrando ao mercado o nosso compromisso de longo prazo com esse segmento”, enfatizou.
Conforme Viana, no segundo semestre o setor começou a reagir e isso movimentou o estoque de produtos no país, permitindo novas compras e aplicações e custos médios de aquisição.
“O baixo custo de equipamentos passou a viabilizar diversos projetos em GD II, aquecendo o mercado de minigeração, pois o CAPEX por watt instalado está o mais baixo da história”, indicou.
Energia solar no Minha Casa Minha Vida
Uma questão que marcou 2023 e que também não podemos deixar de lado é o programa MCMV (Minha Casa Minha Vida), que virou lei e terá energia solar sem a compra de excedentes.
A Lei 14.620/2023, que dispõe sobre a retomada do programa, foi sancionada em julho pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e publicada no DOU (Diário Oficial da União).
A norma permitiu que o excedente de energia gerado nas residências do MCMV seja comercializado com órgãos públicos – desde que o morador seja beneficiário de algum programa social ou habitacional das esferas federal, estadual ou municipal.
O que ficou de fora foi a regra que obrigava as distribuidoras a comprar os excedentes de energia gerados nos painéis solares dos condôminos do Minha Casa Minha Vida.
O INEL (Instituto Nacional de Energia Limpa e Sustentável) comemorou a sanção presidencial da energia solar no MCMV, principalmente o desconto de 50% em relação ao valor mínimo faturável para os beneficiários que estejam no CadÚnico e integrem o sistema de compensação.
Isso abrirá, no entendimento de Tássio Barboza, vice-secretário de Energia Solar do INEL e mestre em energia solar, novos horizontes para que os mais pobres possam usufruir da energia fotovoltaica em seus telhados.
Perspectivas para 2024
Com relação às perspectivas para 2024, Mário Viana está otimista, pois há a tendência de queda da taxa básica de juros. “O susto da mudança de governo já passou e os bancos estão começando voltar a dar crédito para o consumidor final. Penso que 2024 será o melhor ano da solar no Brasil, pois o mercado está mais profissionalizado e mais enxuto agora”, destacou.
“Espera-se que os juros baixem. O Copom já vem baixando os juros pouco a pouco. No caso, temos que analisar muito bem a questão da dívida pública, porque ela pode fazer com que o Banco Central não corte os juros na velocidade que precisamos para o mercado de varejo voltar a ser grande”, acrescentou Luiz Scagnolato.
“Entretanto, temos uma boa expectativa para o ano que vem com muitas usinas de investimento sendo construídas. Há ainda muitos projetos que o pessoal está correndo contra o tempo por causa da própria data de homologação, contratos de CUSD (Contrato do Uso do Sistema de Distribuição) já assinados. Então, vemos que até a metade de 2024 haverá ainda projetos na GD 1 que vão alimentar esse volume de vendas”, frisou.